O Zé saiu de trás da cortina, só deixando o rosto de fora. Daria uma ótima foto, se houvesse uma câmera ali. Minutos depois, ele chega e me fala:
- Desculpe não estar dando a atenção que você merece.
Uma gentileza sem par. No teatro, assistindo ao show, tentava entender o porquê de certo público não dar a atenção merecida a Zé Vasconcelos. Naquela noite, umas cem pessoas, em sua maioria com certa idade - a terceira - prestigiaram o espetáculo daquele senhor. E, olha, ele tem histórias pra contar.
Depois de ultrapassar a inevitável barreira de produtores e assessores do artista, encontro Zé Vasconcelos no palco do Teatro Municipal Dr. Losso Netto, em Piracicaba, interior de São Paulo. Interior que ele adotou, "para ter sossego", após o fracasso de um empreendimento grandioso, a Vasconcelândia.
Nesse tempo de parques aquáticos e temáticos, seria até fácil colocar em pé um projeto como esse. Em fins dos anos 60, porém, faltaram os apoios necessários para concretizar o sonho. "Eu acreditei demais nas pessoas", diz Vasconcelos.
"Levei o projeto à Embratur, pedi apoio ao ministro Andreazza, que não veio. Me associei a um investidor alemão, que disse: 'Sem estrada, sem negócio!' Para dar certo, uma estrada teria que ligar a Via Dutra à Fernão Dias. Falei também com o governador de São Paulo, que não liberou a estrada".
O show continuou, é claro. Vasconcelos continuou fazendo espetáculos de humor e gravando discos.
No cinema, Zé apareceu em breves e marcantes participações. Em 1947, imitou Ary Barroso em Este mundo é um pandeiro, estrelado por Oscarito. Como astro principal, participou de Os homens traem... e as mulheres subtraem, em 1970. Segundo uma reportagem da revista O Cruzeiro, à época, "o filme é calcado nas principais figuras que José Vasconcelos criou e assim o artista se convenceu a filmar".
O filme Onde anda você, de Sérgio Rezende, lançado em 2004, também traz o comediante em seu elenco.
Já que é pouco comum alguém decidir-se um humorista, pergunto a Zé de onde saíram as primeiras graças. Ele diz que as fez no colégio, imitando artistas e locutores, muitos deles conhecidos do público nas ondas da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, há décadas.
Ary Barroso, um dos primeiros multimídias de sua época, atuando como locutor de futebol, animador de auditório e que compôs canções como Aquarela do Brasil, foi um deles. Outros ídolos eram Luiz Jatobá, Oduvaldo Cozzi e César de Alencar - este, uma das inspirações de Silvio Santos.
"Aliás, num concurso de locutores da Rádio Guanabara, ganhei o primeiro lugar, disputando com o Silvio e o Chico Anysio". Isso nos anos dourados do rádio, que tinha tanta força, naqueles anos 40 e 50, quanto a televisão tem hoje.
Em seguida, Zé estreou no teatro. Fez vários espetáculos de humor musical, um gênero "que não existe mais". Rádio, sinônimo de diversão, Professor de música, Ópera A Minuta... O espetáculo-solo, porém, foi o seu pulo do gato. Danny Kaye, comediante norte-americano, era, para Zé, a inspiração maior.
Eu sou o espetáculo marcou a estréia de Vasconcelos como o primeiro one-man show brasileiro, um sujeito de inúmeros talentos: canto, dança, representação e humor afiado, na ponta da língua e dos cascos.
A Tupi, primeira emissora de TV do país, inaugurada em 1950, acolheu o humorista, no primeiro programa do gênero na telinha, A toca do Zé. E estrelou superproduções televisivas, já nos anos 60, como Foguete ao sonho. "Nesse programa, usávamos seis estúdios e uma orquestra!", diz ele. Também fez O mundo alegre de José Vasconcelos, programa de música e entrevistas.
Os discos, tirados ora de seus espetáculos país afora, ora com gravações exclusivas, se sucederam a partir dos anos 60. Vários deles via Odeon, atual EMI: Eu sou o espetáculo, O espetáculo continua, As sete vidas do Doutor Mania, Não há cupido que aguente, e, pela RCA, atual Sony, Ria com José Vasconcelos.
A veia musical do veterano artista é outro de deus múltiplos talentos. No espetáculo atual, Vasconcelos toca a Rapsódia Nordestina ao piano, homenagem a seus pais, que o trouxeram de Rio Branco, no estado do Acre, ao Rio de Janeiro, onde tudo começou para ele.
Com Garoto - violonista morto aos 40 e tantos anos, resgatado por Chico Buarque e Vinicius de Moraes com Gente humilde, melodia do violonista letrada pelos dois compositores em 1970 - o humorista compôs Sorriu pra mim (gravada por João Gilberto) e São Paulo quatrocentão, que ganhou concurso promovido pela Prefeitura de São Paulo, na década de 50.
Antes que chegue a "hora mágica" de Zé Vasconcelos (hora do espetáculo, lógico), pergunto sobre a atual fase do humor na televisão brasileira, no cinema, no mundo. "O fim do vaudeville acabou com o humor. Desapareceram os redatores".
Ele se mostra decepcionado com o uso do sexo no humor dos programas mais populares. A gente fica tão habituado com essa exibição da baixaria que parece acreditar que sem isso, não há humor. Zé Vasconcelos, em seu espetáculo, consegue atuar sem que haja piada alguma com material apelativo - no sentido exposto acima. E a graça sai.
O show atual de Zé termina com uma referência ao seu trabalho com a terceira idade, por meio de palestras destinadas a esse público muito especial. A continuação da vida sem os filhos, que casam e mudam, o estímulo à convivência familar depois dessas mudanças inevitáveis, são alguns dos assuntos abordados por ele com os idosos.
Vasconcelos é um humorista que atravessa gerações, um humanista que anima os corações.
E fecha o pano. Até a próxima risada.
2 comentários:
Gostei de ler, Érico! Conhecia pouquíssimo. Vergonha! :(
Te chamei pra fazer a lista de 10 detestáveis, contando com seus desenhos. Aposto que vai ficar ótima.
Beijos!
Plenamente de acordo com seu artigo, Érico! Outrora, havia ética nas abordagens, inclusive humorísticas. Hoje, deu-se lugar à banalidade, e o sexo vem como figurante do sucesso. Até parece que a "mente" do homem alojou-se em outra parte física no século XXI!! Infelizmente...
Abraço, Célia.
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