15 de out. de 2011

Enquanto seu Lobo não vem

(Tira da série "Variações desvairadas". Publicada no Jornal de Piracicaba em 9.11.2000. Nesse tempo eu tinha opiniões definitivas a respeito de tudo. Hoje, já é diferente. Pra começar, há um pouco de respeito)


O texto abaixo é do tempo em que eu escrevia ficção baseada em manias reais. Lembrei dele ao visitar meu amigo Arnaldo Nogueira Jr., mentor do Projeto Releituras, no Rio de Janeiro. O final da nossa conversa foi justamente sobre Edu Lobo, um gosto em comum. Na volta a Piracicaba, lembrei de outra coisa: tinha escrito a fábula desafinada justamente em homenagem ao Arnaldão.


Era uma fabulosa tarde domingueira. O rapaz saiu de casa, respirou, olhou-se no seu espelho interno só para verificar como continuava sendo o máximo, pegou o carro e foi-se.

Na fabulosa e formosa tarde domingada, o negócio era beber. O rapaz, porém, não queria saber disso. Seu negócio era arrumar um disco de vinil do Edu Lobo, ídolo de seu pai, cujo coração dava mostras de fraqueza, causada por fraquezas várias anteriores. O velho não queria partir de coração partido, queria ouvir o disco que não ouvia há anos. Por não mais tê-lo em mãos, pediu ao filho que o procurasse. E lá se foi o filho a Sampa, terra em que se plantando tudo dá, buscar num sebo o tal disco para o pai semi-moribundo.

O filho do pai desconfiava que o pai resistiria por um tempo finito, com ou sem Edu Lobo. Mas demonstrava certa frieza de sentimentos, pois confiava que encontraria o raio do LP no mesmo dia.

A fabulosa tarde domingueira deu os sinais de que decepcionaria as esperanças do moleque no carro. Veio uma tempestade no meio do caminho. Nuvens pretas dominaram o céu, outrora azul-anil nas entranhas do Brasil-zil. Difícil conduzir o carro numa rodovia molhada, repleta de outros veículos, escura tal qual o sono de um pesadelo.

Centenas de quilômetros e pedágios depois, nada de mais grave ocorreu na viagem. Três horas de viagem, o rapaz chegou a um longínquo sebo de vinis em São Paulo. Era fim de expediente, o dono da loja resmungou em ter que atender a um retardatário, por fim deixou-o procurar o que desejava. Uma fortuna, o Edu Lobo. O filho do lobomaníaco pagou. E voou para casa.

O pai aguardava o rebento no leito de morte, fraco mas animado ao constatar que o filho cumprira seu desejo.

Os olhos do velho brilhavam como nunca. E, num gesto surpreendente, catou o disco do Lobo, rasgou a capa, sacou do vinil e o quebrou em dezenas de pedacinhos. Ao filho, perplexo com a cena, o quase-morto sentenciou:

— Essa é minha lição e meu legado, carregue-o para toda a vida, meu filho. Eu adorava a música desse cara, mas vejo que isso não me serve em nada numa hora destas. Jamais se apegue em excesso às coisas desta vida!

Feito o discurso, o pai do rapaz fechou os olhos e embarcou num sono sem fim. O rapaz propriamente dito não sabia se ficava triste com o passamento do velho ou se se contorcia de raiva com o gesto derradeiro do distinto progenitor...

Um comentário:

Célia disse...

Ao som de gargalhadas pela sabedoria do velho pai em seu leito de morte... só posso concluir com outra máxima, que de repente, você Érico, criativo como é trace outra fábula! Eis: "Nunca se viu caminhão de mudanças carregando objetos do falecido para o túmulo"... Então, numa dessas, Lobo & Vinil & o que mais aprouver... que se danem... Fui!
Abraço, Célia.