Esta saiu no Jornal de Piracicaba há alguns meses, no primeiro cadernoEu bebo café, sim. E estou vivendo, de um jeito ou de outro, mesmo carregando uma gastrite, uma azia e outros etecéteras. Na escola, e fora dela, ouvia dizer que o outrora precioso líquido era nosso maior produto de exportação. Isso no tempo do Brasil rural, no tempo em que certos seres humanos eram burros de carga, certos burros tornavam-se humanos em sua ânsia de parecerem inteligentes e os animais falavam. Alguns falam até hoje.
Muita gente ficou rica com o café. Os tais Barões do Café. E o Brasil se orgulhando de ter algo que valesse a pena mostrar ao mundo. E o mundo pouco se lixando com a gente. Mas o mundo não tinha nosso divino e poderoso café. Muito depois, vieram a Aquarela do Brasil, Carmem Miranda, Pelé e Garrincha, a Bossa Nova, Maria Esther Bueno, JK, FHC, Gustavo Kuerten, Tom Zé, Lula e outros produtos de exportação dignos de nota. Uma nota preta, diga-se de passagem.
Cheiro de café, nos meus verdíssimos anos, era qualquer coisa de insuportável. Além de qualquer coisa, uma coisa insuportável. Quando minha mãe chamava a criançada para o café com leite das manhãs, com direito a repeteco vespertino, eu engolia aquilo. O café e o fato de ter que tomá-lo. Para piorar o vexame, crianças novinhas e ligeiramente desajeitadas, como este que vos digita naquele instante, carregavam na testa o rótulo nada honroso de “café com leite”.
A vida e o café não me pouparam de outros vexames. Sabem aquele ritual do cafezinho da tarde? A tal paradinha no meio do expediente, para tomar café e bater papo com os colegas de serviço? Pois é. Nenhum trabalhador de empresa escapou do referido ritual. Nesse momento pagão, alguns iam lá fora para fumar. E outros colegas se afastavam, graças a Deus. Ter que aturar certos colegas também na hora do café seria um castigo inominável, embora os palavrões ficassem piscando na cabeça, feito luminoso de loja na rua Governador.
A hora do meu primeiro cafezinho em grupo tomou ares de evento inesquecível. Na ânsia de parecer natural, a gente fica mais artificial que suco de uva em pó, daqueles de envelopinho que a molecada adora. Como que anunciando o desastre, andei até a garrafa, deixada não na cozinha, mas no próprio local de trabalho. Peguei o copinho de plástico, apertei a tampa da garrafa com força, o líquido fumegante jorrou. No copo? Não, na mesa. A cachoeira em pleno ambiente de serviço impressionou a todos. Como não se tratava exatamente das Cataratas de Foz do Iguaçú, tomei uma vaia, e não um inocente cafezinho. Todo o café da tarde foi para o espaço. Ou melhor, para a mesa.
Por conta do desastre involuntário, passei anos sem tomar café. Até que veio a segunda vez. Desta vez, o café caiu nos lugares certos: na xícara e no estômago. Ultimamente, porém, meu estômago tem se revoltado contra o hábito de tomar café, e com outras coisas enfiadas goela abaixo. Mas aí já são coisas do Brasil, um país aniquilador de estômagos alheios. Nessas condições, nossa bebida ideal seria um belo chá de sumiço.