29 de set. de 2011

Juízos desajuizados

Emitir um "Ah", assim seco, é sinal de indiferença. Emitir um "Aaaaaahh", assim prolongado, faz toda a diferença.

"É hoje". Frase simples, mas tão plena de significados. Até os que você nem imagina.

Acabei de ouvir alguém desejando "parabéns" a outro, com todas as sílabas da palavra pronunciadas átonas. Não é sincero.

Você quer achar o seu lugar no mundo. Quando acha, ele está ocupado. E aí?

O amor não é cego, não. Ele é meio embaçado, só.

Quando vejo uma mulher dizendo "Seu lindo!" a alguém, sempre acho que é um jeito que elas arrumaram de elogiar sem parecerem melosas.

Individualismo? Não é comigo.

Só há um jeito da mulher não discutir relação na hora do jogo de futebol. É ela se casar com jogador de futebol.

Tem tanto emoticom em linguagem de internet, que quando alguém coloca um ponto final e nada mais, assusta a gente.

O que seria do equilíbrio mental do ser humano sem o exercício das perguntas retóricas?
Não precisa responder.

27 de set. de 2011

Quebrando tudo

Conversa de boteco é algo inebriante. Seja pelos comes e bebes, principalmente os bebes. Seja pela conversa, pelo ambiente. Pena que para cada prazer haja um ônus. No caso, a conta.

Descontando a conta, o que aconteceu no Ponto de Cultura Garapa, em Piracicaba, ontem à noite, contrariou a rotina de uma segunda-feira comum.

O escritor e dramaturgo Mário Bortolotto esteve no Ponto para um papo sobre sua vida & obra. A conversa se deu no clima informal que o nome do projeto pedia. Bem "conversa de boteco" mesmo.

A conversa com Bortolotto teve a mediação de Fátima Monis, orientadora do núcleo de Artes Cênicas do Sesi Piracicaba, e do jornalista Romualdo da Cruz Filho, d'A Tribuna Piracicabana. Papel que ambos desempenharam com a maior das boas intenções. Temperada com opiniões definitivas dos debatedores a respeito do universo do entrevistado.

Talvez para estabelecer o clima de informalidade ao papo, o entrevistador e um ou outro perguntador trataram Bortolotto com certa intimidade - um havia estudado com o autor em Londrina, o outro havia tomado umas e outras com o escritor em Parati. O convidado não passou recibo a nenhum dos dois candidatos a amigões. No entanto, justiça seja feita, tratou-os com a cordialidade possível.

Bortolotto mostrou-se um cara muito convicto de sua entrega ao ofício de escritor. "Eu me registro nos hotéis como escritor. Mesmo que eu seja um escritor ruim, eu sou um escritor". Renegou qualquer rótulo, a começar pelo de "dramaturgo". Rejeitou a sacralização a todo instante. E respondeu com a firmeza que só os verdadeiros artistas emprestam à arte.

Tudo isso sem desrespeitar ou satanizar os colegas e amigos que fizeram outras opções, como escrever para a televisão ou encenar um teatro mais digerível. Mario está na dele, e pronto. Pronto para o que der e vier.

"Eu fiz a opção por uma vida mais pobre, fazendo o que eu gosto de fazer. Por isso não duro mais de um ano com a mesma mulher. Chega uma hora que elas perguntam: 'E aí'? Como é que é?", disse Bortolotto, numa das muitas vezes em que fez o público gargalhar.

Lá pelas tantas, a geladeira do lugar, que trouxe o combustível necessário para a plateia de Mario, foi ficando vazia. A conversa esquentou com o autor expondo sua relação com a crítica. Ele simplesmente não quer saber de críticos, bons ou ruins, embora admita o diálogo com o falecido Alberto Guzik - um crítico que, no fim da vida, virou ator.

Bortolotto não vê autoridade em quem se dispõe a analisar o que ele faz. "Você se dedica por um ano a escrever e montar uma peça, pra vir um crítico e detonar sua peça? Ele não sabe o que você passou pra fazer aquilo. Quem sabe é o autor. E o diretor".

O jornalista-debatedor quis jogar a responsabilidade do discernimento na leitura de uma crítica nas costas do espectador-leitor, no que foi rechaçado por Bortolotto. O melhor reconhecimento para o autor, ao menos no clima de piada de boteco, é "uma garrafa de Jack Daniels".

Pouco a pouco, a postura transparente do escritor efetuou uma quebradeira nas pretensões intelectualóides dos perguntadores de plantão. Por pouco não me quebrei todo também. Não com supostas perguntas desastradas, mas com a cadeira escolhida para me sentar.

Cadeira nova em folha, mas daquelas parecidas com as utilizadas em escolas infantis. Os pés da cadeira vieram abaixo, e este que vos digita beijou o chão sem o menor amor. Ato falho.

Feitas as conclusões, os agradecimentos e o tradicional "quadro de avisos" dos responsáveis pelo Ponto, cerrou-se a porta de aço do boteco da vez. E a vida continua com outros papos, peças e livros por aí.

Mário Bortolotto vai nessa levada, seguindo seu caminho. Ele e quem se dispuser a acompanhá-lo: aos botecos e pela vida afora.


Pra quem aprecia PS, seguem os créditos do projeto, retirados do release no blog do Rodrigo Alves: "A realização do Conversa de Boteco tem o apoio do Sesi, Tusp/Piracicaba (Teatro da Universidade de São Paulo), Casvi, Ponto de Cultura Garapa, Bar Cruzeiro e Apite! (Associação Piracicabana de Teatro)"

25 de set. de 2011

Careca de saber

Vocês sabem como são as mulheres. Quando elas querem alguma coisa, vão até o fim.

Um dos objetivos das mulheres da minha sagrada família é a interrupção da minha calvície. Só que a calvície insiste em contrariá-las.

Moleque, saltitante e feliz, os cabelos do garoto que fui eram como os da minha mãe. A cabeça era coberta pelos fios suaves do DNA materno. Por bons anos, um tom castanho-escuro compunha a cabeça do nerd que só queria saber de gibis e desenho e afins.

Essa cabeça escurecida, que de modo algum queria ser obscura, alcançou os dias indecisos da adolescência. E a indecisão chegou ao auge com a decisão impossível: encrespar os cabelos. De encrespado, mesmo, só o temperamento do cidadão exótico.

E veio a idade adulta. A idade da razão, a idade em que suas razões parecem inquestionáveis. As mulheres da família ficavam mais e mais alarmadas, ao observarem meus cabelos em estado de revolta permanente, manifestada pelos insurgentes com a fuga da minha cabeça.

Adiantava me vangloriar de uma cabeça supostamente privilegiada, teimando em fugir do analfabetismo funcional, se os cabelos não pensavam o mesmo? Nós, eu e meu cérebro, chegávamos ao dilema-Tostines: a cabeça ficava quente porque os cabelos caíam, ou os cabelos caíam por conta da cabeça quente?

Ó, dúvida cruel. Pena que os cabelos não tinham a menor dúvida em abandonar o crânio.

O tempo passou, que ele sempre passa. Depois de inúmeros banhos, cabelos caindo ralo abaixo e fugas premeditadas do espelho, chegou o momento de encarar a dura realidade. A cabeça do adulto genioso dispunha de um mísero chumaço irregular bem na frente da testa.

E o dilema continua. Valerá a pena domar o chumaço solitário com gel, para que ele não se perca ao vento?

Ter ou não ter um tufo indomável na testa, seu Shakespeare? O senhor dramaturgo era careca, ao que me consta. A caveira da peça Hamlet também...

24 de set. de 2011

Cada uma!

Perguntas de criança. Feitas a mim no Salão Internacional de Humor de Piracicaba. Neste sábado.

- Você não é o Érico San Juan?
- Sou.
- Que deu palestra na minha escola?
- Sim.
- Mas faz um tempão, já!
- Quanto tempo?
- Três meses!

- Você é o Érico San Juan mesmo, né?
- Sou.
- Você é famoso?

Engasguei com a saliva.
Desatei a rir.
- Mãe! O Érico não sabe que é famoso!

Criança diz cada uma!
O Pedro Bloch tinha razão...

22 de set. de 2011

Além dos livros, pousando num CD

Analfabeto ora funcional ora emocional, assumo a cota que me cabe de analfabetismo e insensiblidade. Mas tudo tem sempre um porém.

Graças à descoberta das redes sociais, passei a conhecer artistas com os quais jamais imaginaria ter qualquer contato. Duas dessas artistas pertencem a uma categoria à qual depositei pouca atenção até agora: a dos poetas.

O primeiro e real arrebatamento com um conjunto de poemas já foi declarado neste espaço. Arrebatamento do qual custei a me recuperar. Ainda carrego neurônios sequelados com o livro "Fresta por Onde Olhar".

O arrebatamento seguinte não foi repentino como o anterior. Leituras de crônicas, poemas e mensagens virtuais vieram antes do pacote entregue pelo carteiro do bairro: o CD "Algo além dos livros", A autora dos poemas declamados no disco é Carla Ceres.

A produção do CD foi a premiação pelo pódio da autora no concurso literário do Grupitrupiartes, coletivo de artistas de Volta Redonda, no Rio de Janeiro. Primeira vez que vejo um autor ser premiado com um CD, e não com a edição em livro da sua obra premiada.

Carla escreve crônicas para os sites Digestivo Cultural e Diário do Engenho. E participa de tudo quanto é concurso literário desta e de outras terras, único reconhecimento que se traduz em alguns trocados para o cartucho de tinta de cada dia da impressora.

A mais recente distinção ao trabalho de Carla veio na classificação para o Mapa Cultural Paulista, concurso bienal promovido pela Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo. A autora representa a cidade de Piracicaba, na primeira etapa eliminatória do concurso.

Voltando ao portão de casa, em estado de graça arranquei o embrulho das mãos do carteiro. Ele me olhou com o estômago embrulhado, empunhando o recibo para a minha assinatura, e foi-se dali.

Antes de colocar o CD no aparelho, olhei a bonita capa de Sara Bentes: um pastel com uma menina correndo de costas para o ouvinte do CD. A interpretação dos poemas de Carla coube ao locutor Adib Khoury. Os comentários musicais ficaram a cargo de "Pepe" Gonzales, Tiago Leme e Carlos César.

O espanto que precedeu a audição do disco veio com o nome do redator da contracapa: Nigermauro Bruno Brasil. Embora cumpra a função de situar minimamente o ouvinte no trabalho poético de Carla Ceres, o tom do texto da contracapa está mais para aqueles discursos de formatura empolados e rebarbativos. Texto tão exagerado quanto os adjetivos "empolado" e "rebarbativo".

Esses senões à embalagem do CD não diminuem, em absoluto, a autora dos poemas. Efetuada a minha rabugice, fui ao que realmente interessava: o olhar diferenciado que só os artistas de coração aberto emprestam ao mundo. Investindo-me uma vez mais no papel de divagante ocasional, dá pra dizer que o mundo nem sempre devolve com juros esse empréstimo. Azar do mundo.

O que me agradou nos poemas foi a sensação de proximidade com o leitor (no caso, do ouvinte) que a autora, com habilidade rara, nos proporciona. Sem prejudicar a beleza das imagens, das metáforas, do estilo elegante, Carla cria versos que despertam a vontade do querer mais, e mais, e mais.

Ou você, caro leitor, não se identifica com odes à timidez, uma timidez que pode ser a sua? Ou com a reflexão presente em "Nosso modo de existir"? Ou quem sabe com um "Alvorecer" iluminado pela poesia de hoje, e não a poesia d'antanho?

A música das palavras nos devolve a sensação de ser, existir e levantar voos numa vida de descobertas, alegrias, angústias. Para desaguar na plenitude de experimentar uma poesia além de adjetivos pomposos, juízos incompletos e imperfeições resenhísticas.

Vá ao blog de Carla Ceres, e prove das amostras dessa poeta com seus próprios olhos. Depois me conte o que achou.

PS. Infelizmente, não consegui reproduzir a capa do CD comentado. A título de ilustração, segue a caricatura que fiz da autora, na capa do meu jornal Caricaras.

4 de set. de 2011

Caricaturas na Caterpillar, Sesi e Salão de Humor

Nas últimas semanas, o que mais tenho desenhado é caricatura ao vivo.

De 8 a 12 de agosto, participei da Sispat 2011, na Caterpillar Brasil. Em vários turnos, inclusive nas madrugadas, fiz um total de 500 caricaturas de funcionários da empresa.

Neste primeiro fim de semana de setembro, houve o Meeting Sesi-SP, no CAT Mario Dedini, na Vila Industrial, em Piracicaba.

Numa tarde de sábado e numa manhã de domingo, 180 caricaturas foram criadas e entregues a uma turma de passagem pelo Sesi para as competições esportivas.

Para fechar o fim de semana com chave de ouro e canetas esvaziadas, dediquei a tarde desse domingo ao inicio da maratona de caricaturas no Salão Internacional de Humor de Piracicaba.

Cerca de 100 visitantes do Salão levaram para casa suas caricaturas feitas nas capas do novo Jornal Caricaras, o jornal que é a cara de quem o adquire. Entre casaizinhos, mães, pais e filhos, todos sorridentes como nunca.

Em breve, tem mais caricaturas no Salão de Humor. Assim que eu comprar canetas novas...

(Os registros das minhas performances na Caterpillar foram feitos pela Ana Gava. A quinta foto da série é da Alessandra Argenton Barbosa. Para ver as imagens maiores, clique nelas).

3 de set. de 2011

Encontros marcados

Há doze anos, fiz algo inusitado: conheci um escritor ao vivo, fora de Bienais e eventos literários. Entrei em contato com ele, que me recebeu em sua casa.


Era um autor da minha infância. Culto, articulado, engraçadíssimo. A cara dos livros dele.


Fiquei muito amigo do escritor. Hoje, recebi do amigo a melhor notícia do meu dia. Ele conseguiu se recuperar de uma doença grave. E lançará dois livros em 2012.


Semana que vem, após doze anos do primeiro encontro marcado, terei um segundo. Desta vez, com uma escritora.


A literatura faz milagres. Entre eles, o da aproximação além-livros. E eu acredito em milagres.