30 de abr. de 2010

Não vou falar do Homem de Ferro

Vou falar, sim, da saúde de ferro dos velhinhos que precisam de remédio dado pelo governo.

Segunda-feira é um belo dia. Estimulante. Um marco da semana, de qualquer semana. Estímulo era o que eu precisava. Para encarar uma fila imprevisível no posto onde se busca o remédio.

O sol da última segunda-feira estava cumprindo seu papel com fervor. Na farmácia, umas cem pessoas aguardavam a vez de pegar seu remédio. Cem pessoas antes de mim, é claro. Todas resignadas com a falta de sorte, ou de dinheiro, que as fazia encarar aquele lugar uma vez ao mês.

Três horas e infinitos cafés depois, fui atendido por um funcionário pra lá de antipático, que deixou toda a simpatia pra lá. Peguei o remédio da minha mãe e tomei o caminho de volta pra casa. Na farmácia, dezenas de velhinhos, seus filhos e netos, ainda aguardavam a vez.

Se os velhinhos ainda tem saúde suficiente para esperar tanto tempo por um remédio, eu é que venho perdendo a minha saúde a cada vez que piso naquela farmácia. Pela cara de tacho dos funcionários, pelas horas de trabalho perdidas, pelos cafés pagos e enfiados goela abaixo, pela segunda-feira jogada no lixo. Mas mês que vem tem mais.

Pelo jeito, o verdadeiro Homem de Ferro é o aposentado brasileiro.

25 de abr. de 2010

Uma notícia que vai mudar a sua vida

A nova Miss São Paulo, eleita neste sábado, é de Piracicaba.

Estou emocionado. E, por que não dizer, realizado. É um reconhecimento a Piracicaba, que tem coisas boas. Aliás, tem coisas e tem boas também.

Quem falar agora que os piracicabanos são pamonhas, vai levar uma voadora com sotaque e tudo. Não por causa da nova Miss São Paulo. Mas porque eu não aguento mais ouvir piada velha. E ruim.

23 de abr. de 2010

Maria Alcina e Adoniran: bela tabelinha

Começo de abril, e escuto de um amigo: "Você só gosta de coisas de velho!". Após o julgamento sumário, sem defesa e sem perdão, fiquei com uma vontade doida de sacar uma bengala para acertar a cabeça do muy amigo.

Pensei nisso, ainda com certo ódio no coração, quando papeava com um amigo mais recente. Quase um mês depois, e os dois estávamos na entrada do novo show de Maria Alcina, de passagem por Piracicaba, no Sesi local.

Esse amigo recente não sabia que o maior sucesso da cantora foi uma canção de Jorge Benjor antes de ser Benjor: Fio maravilha. Ignorava que ela tinha sido jurada no programa do Raul Gil. E tampouco sabia que seu último sucesso foi a antológica Prenda o Tadeu.

Meio desanimado por ser um dinossauro precoce, tomei meu assento no respeitável público, quase todo ele ultrapassando os quarenta anos. Pra piorar minha reputação, o espetáculo trazia o repertório de outro master, Adoniran Barbosa, numa homenagem ao seu centenário.

Saudosa Maloca e Trem das Onze, canções entoadas há décadas pelos Demônios da Garoa, fazem o público pensar que a obra de Adoniran resume-se a isso mesmo: a dois lamentos de fim de noite pra velhinhos bêbados cantarem em uníssono desafinado.

Mas o show mostrou o contrário, fazendo o favor de calar a minha boca rabugenta. E Maria Alcina, nada rabugenta, abriu a dela no palco, junto à bateria de Gustavo Souza e o violão de Sérgio Arara, este o diretor musical do show.

A artista distribuiu à platéia fartas doses de energia e senso de humor, presentes no gestual exagerado, na voz de trovão e na presença cênica vital. A Carmen Miranda reencarnada só valorizou a obra tão peculiar de Adoniran Barbosa.

O set list trouxe uma geral de Adoniran, entre o romântico e a tragicômico, num dialeto ítalo-caipira. As músicas "assinadas" por Peteleco, mascote vira-lata do compositor, mereceram um segmento à parte. As mais conhecidas, citadas linhas atrás, abriram e fecharam a noite.

Maria Alcina vestiu figurinos diferentes nas duas partes do espetáculo, costurando-as. Na primeira parte, exibiu um arranjo de cabelos à la Brazilian Bombshell junto à malha colante preta e à camisa zebrada. Na segunda parte, a intérprete encarnou um legítimo pierrô bufante.

Uma ou outra canção foram vestidas de efeitos sonoros eletrônicos, arriscando desagradar aos defensores de um Adoniran mais "chorado". Só que não notei lágrimas rolando nas cadeiras. Todo mundo mexia, sim, mas nas próprias cadeiras, dançando sem parar. E dançariam mais no pedido de bis.

Numa dessas coincidências felizes, em pleno dia de São Jorge a platéia sambou ao som do primeiro sucesso de Maria Alcina, justamente o "Fio Maravilha", jogador perna de pau eternizado apenas na música de Benjor. Já Maria Alcina ainda bate um bolão. Não em futebol, mas em arte. Que não tem idade.

11 de abr. de 2010

Benito Di Paula é o máximo!


Além da minha homenagem ao cantor, compositor e pianista na caricatura logo acima, deixo o link de uma ótima entrevista com Benito Di Paula feita por Bruno Ribeiro.

Esse depoimento de Benito ao Bruno só confirma o óbvio ululante: artista também é gente, viu gente? Seja ele popular, erudito, brega ou marciano.

10 de abr. de 2010

Há quarenta anos, Paul bancou o estraga-prazeres....

... e acabou com os Beatles, aquela simpática banda de Liverpool que todo o mundo amava.

Não há ser humano razoavelmente informado em todos os países razoáveis que ignore a existência de Paul McCartney, John Lennon, George Harrison e Ringo Starr. E não há ser humano razoavelmente idoso que não tenha lamentado a dissolução do grupo.

Hoje os integrantes do conjunto (vivos, mortos ou muito vivos) são discos reeditados de tempos em tempos, livros que alimentam os mitos e livros que os descontroem, otários que não detém seu catálogo de canções e o perderam para outra lenda (Michael Jackson, você sabe), até videogames.

Todo o mundo está inundando a internet com depoimentos e reportagens sobre o quarteto fantástico. Como este blog às vezes segue a maré para não se afogar nela, segue abaixo um testemunho pessoal.

Os Beatles entraram na minha vida numa fita cassete, há uns vinte e poucos anos, lá na idade das pirâmides. Ou melhor: em duas fitas. Uma era do disco Help!. A outra, a coletânea 20 Greatest Hits. Curti a música básica e brincalhona da primeira fita. Fiquei besta com a evolução musical do grupo nas fases cobertas pela coletânea.

Com o tempo, fui ouvindo os outros discos, agora em CDs. Finalmente, no ano passado, comprei a maioria dos novos CDs remasterizados. Nas novas audições, passei a ter mais apreço pelo Álbum Branco (com as esquisitices de John & Yoko e tudo) e o Abbey Road.

As aventuras-solo dos Beatles passaram pelos meus ouvidos, idem. O disco Ringo, de 1973, é adorável. De George Harrison, mora no meu coração o insuperável All Things Must Pass. De Paul, a coletânea All The Best!. De John, o álbum Rock´N´Roll.

Se você ainda quer saber melhor quem foram esses tais de Beatles, há a "biografia definitiva" feita por Bob Spitz. Anthology, em CDs e DVDs, é a "biografia definitiva" na visão dos componentes do grupo.

Por coincidência - ou não? - estas linhas terminam ao som de "Because", uma das faixas mais emocionantes do último disco dos Fab Four. O fim que era apenas o começo. De uma lenda.

(Falei bonito, hein? Clichê total, mas bonito).

9 de abr. de 2010

"Culture-se"

Um projeto muito legal nasceu em Piracicaba. Trata-se da revista Fusão Cultural, editada mensalmente pela editora Bennu, da jornalista Rafaela Silva.

A revista tem distribuição gratuita em pontos escolhidos da cidade, mas pode ser lida também no seu site, com as mesmas características da versão impressa.

A Fusão Cultural de abril traz um pequeno artigo meu na nova seção "Arte é...", na página 9.

Para os internautas que odiaram os artigos recentes do blog sobre Sandy e a Banda Calypso, a revista publica junto ao meu texto uma foto ao melhor estilo coluna social.

Portanto, já é possível ver a cara desse polemista inconsequente que sou... só não cuspam na tela ou na revista porque é feio.

6 de abr. de 2010

Sandy, eu te amo!

Tá bom, o título dessa postagem é impactante... mas tem lá sua dose de exagero. Eu simplesmente gosto da Sandy, e digo alguns porquês. E contextualizo a bagaça toda também.


Nem lembrava que ela surgiu num programa com o papai a tiracolo e o irmão na tabelinha. Desde Shirley Temple, está comprovado que sempre dá pra faturar uns trocados a mais com filhos talentosos.


No caso de Sandy, os trocados viraram milhões, graças ao talento do pai cantor que deu um empurrão generoso nos filhos, e depois pelo talento deles próprios, que transformaram o empurrão em movimento permanente, para a frente e avante.


Gostei do canto do cisne da carreira dela com o irmão, o CD Acústico MTV. Nem precisava do Marcelo Camelo pra dar aval cantando junto. O pop despretensioso de Sandy, embora envolto em orçamentos e cifras nada despretensiosas, me parece mais interessante que as paupérrimas pretensões emepebísticas-universitárias do ex-Hermano.


Falando em MPB, há os defensores da tradição da "boa música", dispostos a trucidar garotas como a filha de Xororó. Meia dúzia de velhotes metidos a roqueiros, se tanto, babam em suas dentaduras pra exaltar Celly Campello, como se ela fosse superior à Sandy. Esquecem-se que a cantora de Lacinhos cor de rosa veio do interior de São Paulo, feito Sandy. E Celly era tão pop quanto a irmã de Júnior.


Mas não adianta argumentar. No juízo desses dinossauros, o pop pré-histórico será sempre melhor que o pop do tempo das bolsas Vuitton. É tudo pop, seja qual seja a época, mas no tempo deles era melhor, então...


Falando em comércio... Sandy sempre cantou embalada para consumo, junto com o irmão. E daí? Quem canta sem código de barras tatuado na bunda? Ou vocês preferem ouvir o mendigo do violão na esquina do seu shopping preferido? Isso se ele não for expulso e dedurado aos policiais da região pelo meganha uniformizado do shopping.


O ex-mendigo Seu Jorge sacou que não dava pra ser "alternativo" ou "marginal" e conseguiu saltar da calçada para o shopping, e daí para o mundo. Com direito a atuações em Hollywood e versões de músicas de David Bowie.


Como Sandy não é David Bowie, para tudo que ela faz sempre haverá uma matilha de chatos tentando desqualificá-la. A interpretação dela, por exemplo. Sempre cantou repertório pop baixos-teores, e sempre disseram pra ela mudar, que aquilo tudo não prestava. Aí ela foi cantar jazz, e passaram o trator em cima dela, pra variar.


Agora Sandy ressurgirá com um disco-solo de composições próprias, e certamente dirão que ela compõe mal. Não é ela a insuportável: seus críticos, ditadores de gostos ao gosto da classe média sem classe alguma, é que são.


E há mais motivos para dizerem que ela é uma otária. A carreira universitária dela, por exemplo, certo? Ela estudou letras na PUC de Campinas ... pecado mortal para uma suposta idiota pop. E as escolhas de par dela, então... Ela é casada com outro Lima, o Lucas. Um idiota-família, certo? Certo, ao menos no juízo dos críticos. Ou falta de juízo.


Ser pop, para Sandy, é ser a pecadora se confessando em pleno Vaticano, nas vistas do papa. Com todas as suas qualidades inadmissíveis e seus defeitos alardeáveis, milhares de cantoras e cantores dariam as suas gargantas para ser como ela: certinha, bonitinha, caipirinha, simplesinha, milionária... e... e...


Ora. E talentosa, uai.


PS em 07.04.2010: Aos que amaram minha defesa a esta artista singular, recomendo a leitura desta postagem aqui. Beijos.

Em vez de Páscoa, rock rural

Teve chuva e frio no domingo passado, além do feriadão de Páscoa. Um ser humano normal ficaria em casa, rodeado de familiares, enchendo a pança de bacalhau e chocolate.

O escritor destas maldigitadas foi literalmente mais longe: viajou quase duzentos quilômetros para ver Sá e Guarabyra em São Paulo, no Sesc Vila Mariana. Era o segundo show de lançamento do CD Amanhã, gravado com o falecido Zé Rodrix (programa do espetáculo ao lado, clique para ampliar).

A falta de chocolate na pança deve ter retardado a percepção do meu direito de ir e vir. Cheguei em cima da hora de um show que começava às seis da tarde, achando que começaria às sete da noite. Se o funcionário do Sesc não tivesse me dado um "psiu", me convocando a entrar no teatro, eu iria ouvir apenas o barulho dos meus passos de volta ao metrô mais próximo.

Após a busca da cadeira especialmente reservada, bem no meio do teatro, deixei as malas embaixo dela e contemplei a entrada da dupla no palco, junto à banda (Pedrão Baldanza no baixo, Fábio Santini na guitarra, Constant Papineanu nos teclados e Alexandre Soares na bateria).

No palco, só dava cabelo branco, a começar pelos cabelos dos cantores e compositores Luiz Carlos Pereira de Sá e Guttemberg Néri Guarabyra. Sá e Guarabyra para os íntimos: nada menos que toda a platéia. Esta também de cabelos brancos, alguns tingidos.

Sá é o front-man da dupla. Nos intervalos entre as canções, ele desfila seu charme de jornalista, ex-funcionário do Itamarati e compositor consagrado do Rock Rural. O rótulo, aliás, é a única coisa que parece tirar seu humor.

Já o humor do parceiro Guarabyra parece inabalável. E a única coisa que parece tirar o humor do autor de Casaco Marrom é atender fãs após o espetáculo. Terminada a função, o cabeludo compositor faz as vezes de "peixe ensaboado", segundo a língua ferina de Sá: desaparece rapidinho.

Zé Rodrix é o grande ausente da noite. Tem uma presença vital no CD Amanhã, o terceiro de músicas inéditas do trio, um reencontro após três décadas. Após a separação, Sá e Guarabyra seguiriam em dupla, Zé seguiria para a carreira-solo e a publicidade.

Os parceiros dedicam o show a Rodrix, óbvio. E cantam o clássico Casa no Campo, de Zé e Tavito, com direito a presença do último na platéia. Evitam as canções roqueiras que o parceiro lançou no próprio trio (Hoje é dia de Rock, Mestre Jonas). Mas arriscam interpretar um solo dele no CD Amanhã (a faixa-título).

O desfile de clássicos de Sá e Guarabyra domina a noite, com a presença da banda e sem ela, em números-solo, voz e violão, dos dois parceiros, em momentos distintos. Os hits mais esperados deixam os fãs desesperados pela demora em ouvi-los (Roque Santeiro, Dona, Sobradinho, Espanhola). Como se essa estranha espécie não suspeitasse que a apoteose final se daria com tais canções.

Ao fim e ao cabo do espetáculo, os parceiros se abraçam, os fãs vão para o saguão tirar as fotos ao lado dos ídolos, e eu vou ao encontro da primeira metade da dupla, já que a outra metade tinha se mandado. Faço uma caricatura de Tavito, o compositor de Rua Ramalhete e produtor do CD Amanhã (foto de Marlene Alves, ao lado), e me mando.

Posso não sacar nada de música, muito menos de rock, mas alma rural é comigo mesmo. Piracicaba que o diga. Ou melhor, digo eu mesmo no meu sotaque piracicabano. Sá e Guarabyra também me dizem muito, ainda.