São Pedro é uma cidadela próxima a Águas de São Pedro, próxima a Piracicaba. É água pra todo lado na região. Em Piracicaba, tem um rio. Águas é uma estância hidromineral. São Pedro tem o nome do santo invocado a cada vez que o calor anda de doer.
E foi num calor de doer que disse "São Pedro" ao motorista do ônibus. Uma hora depois, cheguei à cidade. Subi uma ladeira, cheguei à praça da Matriz, observei uma biblioteca novinha em folha, ainda por inaugurar. E entrei no Museu Gustavo Teixeira.
O patrono do Museu é considerado "filho e poeta maior" da cidade. O prédio do Museu tinha sido um colégio, também com o nome do escritor, morto em 1937.
A minha visita ao lugar também era pra conhecer um escritor: Nelson de Oliveira. Vindo de São Paulo, participa do projeto Viagem Literária, da Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo.
A Secretaria convida escritores a colocarem o pé na estrada, rumo a cidades do interior. Nelas, os autores dão oficinas para públicos de idades e experiências diversas.
Nelson é escritor de vasto currículo e militância ativa na área. Doutor em Letras pela USP, tem duas dezenas de livros publicados. As gerações 90 e 00 foram contempladas e valorizadas por coletâneas organizadas pelo autor.
Quando pus os pés no Museu, senti o rangido das tábuas de um prédio antigo, a tradição embaixo da sola do tênis. Na sala de palestras, avistei o primeiro colega de turma: um ex-escriturário de português escorreito. Sobrevivente de um tempo em que se usava, sem faces ruborizadas, a palavra "escorreito".
Logo chegariam os participantes da oficina: estudantes do ensino médio de cidades próximas a São Pedro, acompanhados dos professores das respectivas escolas.
Após a auto-apresentação, Nelson iniciou sua fala desmistificando a inspiração e a literatura em geral. E propôs exercícios de criação de textos a partir de estímulos: minicontos de Júlio Cortazar e um curta-metragem animado, onde um tigre abalava uma metrópole inteira com sua presença.
O exercício final era a observação de dois quadros do museu. A partir de um deles, um texto nasceria. Os textos poderiam ser em prosa ou em versos.
O que dá pra notar de imediato nesse tipo de atividade, agora que também faço isso junto a crianças, é a paralisia que acomete os participantes. Nelson observou o fato durante a oficina.
Jovens não recebem estímulos para a criação, tanto na escola quanto na vida cotidiana, direcionando todas as suas energias para o vestibular. A criação fica em segundo plano, talvez em último. Em muitos casos, adormecida para sempre.
Mesmo com os risos nervosos e temerosos da reação dos colegas em volta, Nelson fez com que os alunos lessem em voz alta as produções do momento, com direito a análise do estilo de cada um. Não que os adultos do lugar - eu e o colega parnasiano - não ficássemos com as pernas tremendo.
De minha parte, tive boas surpresas com a molecada. A turma pré-vestibulanda se mostrou articulada e imaginativa. Pena que não é possível reproduzir os textos aqui.
A tarde terminou com as inevitáveis despedidas. Os adultos da sala ganharam do "oficineiro" exemplares do livro "Muitas peles", de um tal Luis Bras. O autor da obra é colunista do jornal literário Rascunho, de Curitiba. E habitante cativo do imaginário de Nelson.
Pra vocês terem uma ideia, Luiz faz defesas bem-humoradas e consistentes da ficção científica, um gênero jamais lido e abordado por este palpiteiro que vos digita.
Nunca é tarde pra começar novas leituras e novas viagens. E vamos nós.
(Foto retirada do blog Lenda Urbana, de Nelson de Oliveira. Se houvesse o crédito do fotógrafo, eu colocaria aqui)
3 comentários:
Conheço muito bem essa tal ladeira de S. Pedro, Érico. Foi meu exercício inevitável durante os três anos de magistério que cursei quando morava em Águas. Canso só de lembrar. :) Que bom que a oficina foi interessante! Preciso conhecer essa biblioteca nova. Beijos!
Seu texto reportou-me a homéricos debates que fazia com as professoras quanto ao incentivo, à motivação para que os alunos criassem! Destaco:"...Jovens não recebem estímulos para a criação, tanto na escola quanto na vida cotidiana, direcionando todas as suas energias para o vestibular. A criação fica em segundo plano, talvez em último. Em muitos casos, adormecida para sempre"...
Incrível, mas grande verdade! Ser humano não criativo é reprodução das mesmices a que estamos submetidos!
Abraço, Célia.
Rapaz, a aventura literária em São Pedro foi mesmo muito estimulante. É muito bom saber que a oficina de criação agitou um pouco a imaginação e a fantasia da galera. Pena que foi um único encontro. O prédio do museu e da biblioteca é espetacular.
Mais uma vez, obrigado pelas palavras positivas, e também pela caricatura.
Abraço!
Postar um comentário