A velha frase "Agradecemos a preferência, volte sempre" pode ser aplicada a espetáculos de música. E a artistas gentis.
Na cidade da música, num fevereiro de três anos atrás, eu fazia a primeira digestão do dia. Ajeitado no sofá do lobby do principal hotel de Tatuí, ouvi um som suave de violão.
Tudo bem que este cidadão estava no município para acompanhar um festival de música. Mas ouvir algo tão celestial, ao alcance dos ouvidos e distante de um teatro, seria delírio em excesso para o horário. Ou efeito colateral do café da manhã.
Olhei para o lado. Avistei um cidadão sentado e curvado, procurando a melhor harmonia para uma canção. Mal sabia que ele é que harmonizava a minha manhã.
Puxei papo com o encurvado. Minha voz ainda não passara pelo adestramento de um curso técnico de locução, com DRT e tudo. Na ocasião, os sons emitidos por minha garganta caipira nada tinham de suaves. Ao contrário da fala do músico no sofá.
Trocamos gentilezas e mimos. Ele me deu um CD, eu dei a ele uma caricatura. Nos despedimos e fomos cuidar da vida. Cada um na sua.
No ano seguinte, em Piracicaba, fui ao campus da Esalq, reencontrar o músico que encontrei em Tatuí. Lá, ele ministrou uma espécie de aula-show de viola. A cada canção, percorria a história do instrumento e da canção rural brasileira.
Ao final da aula, um espetáculo de fato, me apresentei novamente. Para minha surpresa, ele se lembrou do meu nome e do encontro no hotel no ano anterior.
A atração à parte ficou por conta da filha do músico. Ao me olhar desenhando uma nova caricatura do pai, ela resolveu: "Quem vai te desenhar agora sou eu!" E ganhei uma caricatura dela.
O mais recente contato com o músico-professor foi mais perto de casa ainda: a seis quadras de distância. O músico que me premiou com tantas gentilezas fez uma apresentação no teatro do Sesi do bairro. Ele e seu trio.
A discrição do mineiro de Itajubá não ocultou a inquietação da sua arte. Não impediu a ousadia nos arranjos para músicas tradicionais como Tristeza do Jeca (de Angelino de Oliveira), Nascente (de Flávio Venturini e Murilo Antunes, gravada por Milton Nascimento) e até Eleanor Rigby (de Lennon & McCartney).
A tal discrição também não barrou a introdução de músicas próprias do artista, como a trilogia Ar, Água e Fogo. E Menino. E Mistério. Todas essas do recente CD, "Do Corpo à Raiz".
Como na aula da Esalq, o músico de formação acadêmica e coração improvisador dava os nomes das músicas e contava passagens da história da viola (mais antiga que o "irmão" violão).
Mesmo com a pompa e circunstância quase budista do anfitrião, não faltaram brincadeiras com os acompanhantes de palco: o baixista Gilberto de Syllos e a rabequista-violinista Paula Di Ferrão (chamada de "Paulinha da Viola" do grupo).
Lágrimas enxutas, função terminada, voltei para casa, revirar o cofrinho. A passos largos, entrei de novo no teatro, comprei o CD recente do músico e fui dar outro abraço nele.
O violeiro que sempre me atendeu muito bem atende pelo nome de Ivan Vilela. Seguirei à risca a frase-feita do comércio: voltarei sempre. A escutar seus CDs. E a me emocionar com seus shows, sô.
Um comentário:
Você acaba de me dar excelente sugestão de aquisição! Abraço, Célia.
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