Mauricio é um desses tipinhos paulistanos: magro, alto e antenado. Ouve desde Africa Bambaata até Tonico e Tinoco, sem algodão no ouvido. Ouvir por ouvir, ouvimos ele cantando desde uma versão do Yellow Submarine, do tempo dos Mulheres Negras, até Lamartine Babo, do tempo do Onça. E não nos arrependemos não, compensam nosso dia a dia medonho as invenções sonoras da Terceira Menor Big Band do Mundo até as versões de canções como A Praça, celebrizada em vinil por Ronnie Von, e melodias e letras próprias como Um Dia Útil e Pinguim.
O cara formado pelo rádio da empregada tentou o jornalismo. De galho em galho, foi parar ao lado do filho de Abu, o Antonio, ex-bruxo de TV e colecionador orgulhoso de fracassos teatrais. André Abujamra conheceu o futuro popman num curso de percussão africana. Abu-filho estudava música, Mauricio estudava como seguir a vida. O respeitável acaso acabou partindo ao meio a banda de faculdade na qual André tocava e Mauricio bicava. Nem tanto ao meio, nem tanto aos fios-Terra: do racha, saíram Os Mulheres Negras, primeira aventura musical do duo.
Música e ciência vieram costurada em dois discos, bolachões capas-pretas. Filhotes indiretos de Arrigo Barnabé, surfando na onda da new vanguarda paulistana, nadando de braçada no mercado aberto pelo rock nacional da década de 80, via Warner Music. Valeu pela experiência. E independência aprendida no tapa e na raça. Banda alternativa no rótulo, nada tinha de amadora. A dupla era microempresa, distribuía jornal via mala-direta, tinha fã-clube e caixa postal, tudo conforme o improvável figurino.
Pulamos para os anos 90, cada qual dos Mulheres para seu lado. Mauricio vira crooner do programa Fanzine, da TV Cultura de São Paulo. Marcelo Rubens Paiva, um Jô Soares cover, cáustico, terno, equilibrado pela banda Fanzine. Daniel Szafran, Fernbando Salém, Natália Barros. E o Pereira, lá. Cantando de tudo, todos os dias. Papai Walt Disney, etc. e tal. Pop de todo tipo: metido a besta, besta por si só, de natureza brega ou bregamente chique. Para todos os gostos e desgostos.
Vieram discos-solo, pé no chão: esquema alternativo de distribuição. Na Tradição (1993), resultado dos shows com a banda Natra Tocatudo, foi gravado ligeiro. O tempo escasso das gravações não impediu Mauricio de compor verdadeiros hits: Tudo por Ti, Pinguim, Pan Y Leche.
Se Na Tradição ainda mostrava a voz do Mauricio Pereira como um dos Mulheres Negras,Mergulhar na Surpresa (1998) foi experiência mais radical. Um Dia Útil, por exemplo, é pequena obra-prima confessional, mergulho na rotina de um músico filosofando sobre o significado de sua profissão. Com Daniel Szafran a tiracolo.
Depois de um período quebra-pedra, onde raps com letras saíam da cabeça para uma provável ideia de disco novo, Canções que um Dia Você já Assobiou pinta na parada, em 2003. Para quem torce o nariz com O Amor e o Poder, vem Pereira e - pimba! - trama um arranjo de provocar satisfação em neurônios rebeldes. Para os desavisados, uma Galopeira que mais parece uma mexicana tresloucada de cabaré. E, a provar que o pop não sobrevive sem um momento for lovers, salta a improvável veia romântica de um reconhecido humorista musical: Lamartine Babo, na clássica Eu Sonhei que Tu Estavas Tão Linda.
O show é uma festa, o disco que veio do show é um espetáculo. Quem quiser e puder, troque o Roberto Carlos de cada ano por um Pereira que pinga de três em três ou de quatro em quatro anos.
Nota pós-2004: Após a primeira publicação do texto acima, Mauricio lançou o autoral Pra Marte (2007) e mais um projeto de releituras bem-humoradas de clássicos da música brasileira: Carnaval Turbilhão (2010). Sem falar na dupla neocaipira formada com seu filho: Pereirinha & Pereirão. E o espetáculo continua!
Nenhum comentário:
Postar um comentário