Vez por outra, pego ônibus em ponto estratégico na avenida principal do meu bairro. Atrás do ponto, fica um terreno vazio, daqueles que vão até onde o Judas perdeu as botinas. Não raro, o ponto fica deserto em altas horas da noite. Em horas baixas idem.
Numa noite de compromisso inadiável, fui ao ponto esperar o ônibus. Dez minutos após meu posicionamento glúteo no assento, eis que aparece uma estraga-prazeres. Trazendo na face a cara de bunda mais bundona da redondeza.
É sabido que os pontos de ônibus e as redes sociais da internet são lugares onde a simulação de intimidade é instantânea. Entre pontos e redes, uma diferença apenas: nos pontos de ônibus, não há simpatia hipócrita de cara. Rola neurastenia sincera, na cara.
A caruda me perguntou se o ônibus-tal tinha chegado. Eu falei que tinha chegado o ônibus-xis, e nâo o ônibus-tal. Ela reclamou que o ônibus-tal tinha um motorista lerdo. Respondi que nem todo motorista era lerdo. Ela teimou que o motorista lerdo do ônibus-tal, que não tinha chegado e não chegaria tão cedo, era lerdo sim senhor.
Mudando ligeiramente de assunto, a dona da bolsa continuou o interrogatório.
Ela perguntou se eu tinha medo de ficar sozinho no ponto à noite. Respondi que não. Ela perguntou de novo a mesma coisa, arretada com meu espírito de porco em não querer responder o que ela desejava ouvir. Falei que não adiantava ter medo. Ela retrucou com conselhos para ficar esperto naquele lugar escuro, porque se não me cuidasse um dia seria assaltado. E coisa e tal. O ônibus-tal que era bom não chegava.
Nesse ponto do paredão, uma terceira pessoa chegou para trazer a boa nova: o ônibus-tal chegou! Tomamos nossos assentos, a caruda recolheu-se à sua bunda-molice.
Fosse este humilde cronista um pegador convencional, e não um reles pegador de ônibus, tomaria vergonha na cara e compraria um carro. Enquanto o dia da redenção automobilística não chega, o jeito é esperar o próximo ônibus. Com a minha própria cara de bundão.
2 comentários:
mas... mas... você não entendeu que ela queria te assaltar! ASSALTAR! e que aquele cara que chegou te salvou de um ASSALTO! ai meus sais. Ou então ela queria te dar, sei lá.... rss
rsrsrs Também pensei nas possibilidades de assalto e paquera.
Alguém devia bolar uma coletânea só com histórias de ponto de ônibus. Sua contribuição já está prontinha e seria um sucesso.
Beijos!
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