6 de jul. de 2011

Diário de um pegador noturno

Há grandes pegadores nesse mundão velho sem porteira. Comigo é assim: sou grande pegador. O objeto da pegação não é bem o que você está pensando, infelizmente. Sou grande pegador, sim. De ônibus.

Vez por outra, pego ônibus em ponto estratégico na avenida principal do meu bairro. Atrás do ponto, fica um terreno vazio, daqueles que vão até onde o Judas perdeu as botinas. Não raro, o ponto fica deserto em altas horas da noite. Em horas baixas idem.

Numa noite de compromisso inadiável, fui ao ponto esperar o ônibus. Dez minutos após meu posicionamento glúteo no assento, eis que aparece uma estraga-prazeres. Trazendo na face a cara de bunda mais bundona da redondeza.

É sabido que os pontos de ônibus e as redes sociais da internet são lugares onde a simulação de intimidade é instantânea. Entre pontos e redes, uma diferença apenas: nos pontos de ônibus, não há simpatia hipócrita de cara. Rola neurastenia sincera, na cara.

A caruda me perguntou se o ônibus-tal tinha chegado. Eu falei que tinha chegado o ônibus-xis, e nâo o ônibus-tal. Ela reclamou que o ônibus-tal tinha um motorista lerdo. Respondi que nem todo motorista era lerdo. Ela teimou que o motorista lerdo do ônibus-tal, que não tinha chegado e não chegaria tão cedo, era lerdo sim senhor.

Mudando ligeiramente de assunto, a dona da bolsa continuou o interrogatório.

Ela perguntou se eu tinha medo de ficar sozinho no ponto à noite. Respondi que não. Ela perguntou de novo a mesma coisa, arretada com meu espírito de porco em não querer responder o que ela desejava ouvir. Falei que não adiantava ter medo. Ela retrucou com conselhos para ficar esperto naquele lugar escuro, porque se não me cuidasse um dia seria assaltado. E coisa e tal. O ônibus-tal que era bom não chegava.

Nesse ponto do paredão, uma terceira pessoa chegou para trazer a boa nova: o ônibus-tal chegou! Tomamos nossos assentos, a caruda recolheu-se à sua bunda-molice.

Fosse este humilde cronista um pegador convencional, e não um reles pegador de ônibus, tomaria vergonha na cara e compraria um carro. Enquanto o dia da redenção automobilística não chega, o jeito é esperar o próximo ônibus. Com a minha própria cara de bundão.

2 comentários:

carvalho disse...

mas... mas... você não entendeu que ela queria te assaltar! ASSALTAR! e que aquele cara que chegou te salvou de um ASSALTO! ai meus sais. Ou então ela queria te dar, sei lá.... rss

Carla Ceres disse...

rsrsrs Também pensei nas possibilidades de assalto e paquera.
Alguém devia bolar uma coletânea só com histórias de ponto de ônibus. Sua contribuição já está prontinha e seria um sucesso.
Beijos!