24 de jul. de 2011

Corrigir textos: decisão acertada

De caneta vermelha em punho e dois diplomas na parede, Adriana Patrício dedica-se a seu trabalho de revisora

O primeiro erro que Adriana quis corrigir na vida foi o próprio sobrenome: Patrício. Para seus colegas de escola, a menina que sentava na última carteira da classe “não tinha sobrenome”. Alta e magra num tempo em que Gisele Bundchen sequer despontava no horizonte, a estudante empenhou-se em ser a "melhor aluna média" de sua classe (“Nunca tirava dez nas provas, só oito ou nove”).

Após completar os centímetros que faltavam em sua estatura, ao mesmo tempo em que concluía a faculdade, Adriana adotou uma profissão que rende fortunas aos fabricantes de canetas vermelhas: a revisão profissional de textos.

De nome tão comprido quanto sua estatura, Adriana Maria Jorge Patricio (“com acento no I, segundo a regra”, diz ela) cresceu com a pressão amigável para que se tornasse advogada. Era o ofício de suas tias por parte de pai, um bancário aposentado.

A mãe, que ainda trabalha num cartório, esbarrou na discreta resistência da filha em seguir o caminho das leis: “Até hoje ela teima que eu faça um concurso público”.

Apesar de ter saído da PUC de Campinas com dois diplomas – bacharelado e licenciatura em Português e Inglês – e atender clientes em cidades como Campinas, São Paulo e Rio de Janeiro, Adriana diz que seu irmão, procurador de trinta e três anos, é a “inteligência excepcional” da família: “Eu sou normal”.

Orgulhosa, a mana desfila os méritos do mano prodígio. Aos dezoito anos, ele galgou o pódio em vários vestibulares: primeiro lugar na PUC em Campinas, segunda colocação na Unimep em Piracicaba, quinta pontuação na Unesp em Franca. O vigésimo lugar do irmão no vestibular da USP ela comenta em tom de brincadeira: “Nesse ele foi piorzinho...”.

A irmã do papa-vestibulares, em sua fase de encarar o dilema da escolha de curso, calculou o óbvio: não encararia profissões que a obrigassem a realizar cálculos. “Nas matérias de Física e Química, sempre passava com sufoco”. Acabou optando por Letras, um curso mais adequado a uma aluna exemplar de português.

O desejo de trabalhar com revisão de textos ganhou força com a decisão de abandonar os postos de professora de inglês e de secretária bilíngue, “área pela qual não tenho o menor apreço”, diz a dona de um vocabulário assustador aos que não têm apreço a dicionários.

O empurrão inicial para a profissão diferente veio pelas mãos de um editor em Campinas, que apostou na novata formada em Letras. Em Americana, cidade-natal da agora free-lancer, recebeu o empurrão que faltava, de uma antiga professora de ensino médio.

Se o boca a boca espalha ao mundo as virtudes de uma revisora feito Adriana, garantindo sua sobrevivência, a língua afiada da profissional aponta as falhas mais comuns a quem coloca palavras no papel. “Erros de acentuação lideram a lista, ainda mais com as confusões geradas pelo desconhecimento da nova ortografia.”

As concordâncias verbal e temporal também costumam sofrer maus-tratos na sua aplicação. “Em um livro, por exemplo, é comum a pessoa começar a contar algo no presente, depois passar para o passado e terminar no futuro”.

A dedicação ao trabalho, que exige disciplina e concentração absolutas para as correções nos textos, não impede Adriana de levar uma vida até certo ponto normal. Nas conversas entre amigos, por exemplo, ela se controla para não fazer dos papos um jogo dos sete erros. “Se um amigo fala: "estou soando muito com esse calor", eu não vou interrompê-lo e dizer: "quem soa é sino, você está suando".

Enquanto limpa o suor derramado pela maratona diária, Adriana acalenta o sonho de trabalhar numa editora. Faz mistério sobre um provável livro de sua autoria: “Deixa para uma próxima matéria...” O que não a impede de encerrar a conversa com uma frase de efeito. “Se o futuro a Deus pertence, nada cai do céu, não é? Temos que correr atrás”, diz, revisando o velho ditado.


Atualização às 18h21 de 24.07.2011: Este texto foi produzido para o curso de Redação Jornalística do Senac Piracicaba, em novembro de 2010. A ilustração é um grafismo baseado em foto de Adriana feita por Ana Carolina Miotto, nossa colega de curso. Após a postagem do texto aqui no blog, minha amiga "perfilada" pediu para acrescentar seu novo passo na carreira, dado após a conclusão do curso: a mudança para o Rio de Janeiro, devidamente empregada como "Editora de Produção" numa editora. Felicidades, capricorniana danada!

2 comentários:

Adriana disse...

Sou eu! :) Obrigada, Érico!
Um grande beijo.

Davi Miranda disse...

Texto honesto e agradável sobre (a vida e a rotina da) minha colega de profissão. Gostei bastante!