6 de mar. de 2012

História de ficção baseada em guarda-chuvas reais

Todo moleque - até alguns amigos meus - torrava a paciência dos pais pedindo carrinho bate-volta, boneco do Falcon, paçoquinha. Eu não. Pedi, de cara, um guarda-chuva. Por quê? Quando eu era bem pequeno, vi um comercial de banco, cujo símbolo era um guarda-chuva. Tão bonito aquilo. Por isso azucrinei minha mãe até conseguir um guarda-chuva. Ela, com medo que eu me espetasse com tão extravagante brinquedo, adiou um pouco, depois me levou a uma loja e pediu que eu escolhesse o tal guarda-chuva. Logo me apaixonei por um, colorido de tudo, e o chamei Juvenal.

Por toda minha infãncia, o Juvenal me acompanhou. Os moleques, esses alguns que falei antes, achavam esquisito um deles gostar tanto de guarda-chuva. Tinham mascotes como gatos, cachorros, lesmas até. Guarda-chuva, só eu. Logo se afastaram de mim. Só mais tarde descobri o óbvio: num grupo social, as esqusitices tem de ser coletivas. Se há UMA esquisitice, monopólio de UM sujeito, não há grupo que sobreviva. Esquisite isolada incomoda.

O tempo passou, como tudo de bom na vida. Tive outros Juvenais, pois era impossível a um pivetinho deixar um brinquedo reluzente e perfeitamente conservado por muito tempo. Cheguei à adolescência, passei por aquela fase de falsa afirmação que todo mundo passa, tendo que arrumar emprego. Fazer serviço militar, arrumar namorada. Mas, lá das profundezas do meu ser (desculpem a frase, veio das profundezas do meus neurônios de poeta frustrado), eu pensava no Juvenal abandonado.

Segui a vida, senão ela me engolia. Entrei na tal bobagem do "até que a morte os separe", "sejam felizes para sempre". Oito anos depois do juramento no altar, minha mulher me despachou para um outro lado da vida: a condição de solteiro-divorciado. A mulher esperou avançar o tempo, convertendo minha maneira diferente de comportamento diante do mundo, de "maravilhosa" a "desastrosa". Catei a escova de dentes, o Juvenal empoeirado que jazia no fundo do guarda-roupa e me mandei, limpando os respingos do passado distante.


Ganhei ontem um guarda-chuva. E lembrei dessa história e dessa ilustração, publicados há dez anos na página de humor Rio, editada por mim no jornal Tribuna Piracicabana. A ilustração está aqui junto ao texto original, tal como saiu na página.

Um comentário:

Carla Ceres disse...

Gostei muito mesmo do texto e da ilustração. Parabéns!