Teve chuva e frio no domingo passado, além do feriadão de Páscoa. Um ser humano normal ficaria em casa, rodeado de familiares, enchendo a pança de bacalhau e chocolate.
O escritor destas maldigitadas foi literalmente mais longe: viajou quase duzentos quilômetros para ver Sá e Guarabyra em São Paulo, no Sesc Vila Mariana. Era o segundo show de lançamento do CD Amanhã, gravado com o falecido Zé Rodrix (programa do espetáculo ao lado, clique para ampliar).
A falta de chocolate na pança deve ter retardado a percepção do meu direito de ir e vir. Cheguei em cima da hora de um show que começava às seis da tarde, achando que começaria às sete da noite. Se o funcionário do Sesc não tivesse me dado um "psiu", me convocando a entrar no teatro, eu iria ouvir apenas o barulho dos meus passos de volta ao metrô mais próximo.
Após a busca da cadeira especialmente reservada, bem no meio do teatro, deixei as malas embaixo dela e contemplei a entrada da dupla no palco, junto à banda (Pedrão Baldanza no baixo, Fábio Santini na guitarra, Constant Papineanu nos teclados e Alexandre Soares na bateria).
No palco, só dava cabelo branco, a começar pelos cabelos dos cantores e compositores Luiz Carlos Pereira de Sá e Guttemberg Néri Guarabyra. Sá e Guarabyra para os íntimos: nada menos que toda a platéia. Esta também de cabelos brancos, alguns tingidos.
Sá é o front-man da dupla. Nos intervalos entre as canções, ele desfila seu charme de jornalista, ex-funcionário do Itamarati e compositor consagrado do Rock Rural. O rótulo, aliás, é a única coisa que parece tirar seu humor.
Já o humor do parceiro Guarabyra parece inabalável. E a única coisa que parece tirar o humor do autor de Casaco Marrom é atender fãs após o espetáculo. Terminada a função, o cabeludo compositor faz as vezes de "peixe ensaboado", segundo a língua ferina de Sá: desaparece rapidinho.
Zé Rodrix é o grande ausente da noite. Tem uma presença vital no CD Amanhã, o terceiro de músicas inéditas do trio, um reencontro após três décadas. Após a separação, Sá e Guarabyra seguiriam em dupla, Zé seguiria para a carreira-solo e a publicidade.
Os parceiros dedicam o show a Rodrix, óbvio. E cantam o clássico Casa no Campo, de Zé e Tavito, com direito a presença do último na platéia. Evitam as canções roqueiras que o parceiro lançou no próprio trio (Hoje é dia de Rock, Mestre Jonas). Mas arriscam interpretar um solo dele no CD Amanhã (a faixa-título).
O desfile de clássicos de Sá e Guarabyra domina a noite, com a presença da banda e sem ela, em números-solo, voz e violão, dos dois parceiros, em momentos distintos. Os hits mais esperados deixam os fãs desesperados pela demora em ouvi-los (Roque Santeiro, Dona, Sobradinho, Espanhola). Como se essa estranha espécie não suspeitasse que a apoteose final se daria com tais canções.
Ao fim e ao cabo do espetáculo, os parceiros se abraçam, os fãs vão para o saguão tirar as fotos ao lado dos ídolos, e eu vou ao encontro da primeira metade da dupla, já que a outra metade tinha se mandado. Faço uma caricatura de Tavito, o compositor de Rua Ramalhete e produtor do CD Amanhã (foto de Marlene Alves, ao lado), e me mando.
Posso não sacar nada de música, muito menos de rock, mas alma rural é comigo mesmo. Piracicaba que o diga. Ou melhor, digo eu mesmo no meu sotaque piracicabano. Sá e Guarabyra também me dizem muito, ainda.
4 comentários:
Me é muito gratificante acompanhar Sá e Guty por estas estradas por muito tempo e espero estar por mais tempo ainda nesta caminhada.
A importancia da rapaziada que os acompanha deve ser também enaltecida!
Não vamos esquecer de comentar !
Somos parte do espetáculo !
Atenciosamente
Pedrão, já incluí os nomes dos músicos do show no artigo. Falha nossa, ou melhor, minha. Obrigado pelo puxão de orelha. Abração.
Érico ! Obrigado pela retificação! Vc compreendeu por ser um crítico sensível.
Repare vc também que , na maioria das reportagens e críticas sobre espetáculos musicais em geral esse detalhe que acredito ser muito importante para o show é completamente esquecido !
Parece ser uma cultura iniciada no Brasil na década de setenta nas próprias contracapas dos antigos elepes, onde pouca ou nenhuma informação havia sobre quem e quantos músicos haviam participado do trabalho.
E veja !! Lembro muito bem que a desculpa era a economia de textos ( diagramação) no disco ! como se isso fosse encarecer o produto !!
Muito obrigado por ter me escutado meu bom !!
Atenciosamente
Pedrão, eu fiz a diagramação do CD Amanhã, e também lá tinha pouco espaço... mas isso não é desculpa, ao menos pra mim. Vocês, músicos, merecem todo o respeito: meu e do respeitável público. Abração.
Postar um comentário