Tenho vivido aventuras incríveis com mulheres em lugares escuros.
A frase aí de cima não é o que você está pensando. Limpe a baba bovina no teclado do seu computador e vá ao próximo parágrafo.
As tais aventuras com o sexo oposto, em locais desprovidos de iluminação, aconteceram de fato. Mas se referem a dois blecautes, em momentos diferentes e mulheres idem.
Um ocorreu ontem mesmo, o outro foi há dois anos. É pelo mais antigo que começo.
Numa noite de terça-feira, devidamente ensardinhadas num carro, três pessoas saíam da cidade de Limeira. Dois homens e uma mulherzinha.
Um dirigia. O outro, no banco de trás, escutava os resmungos da mulher no banco da frente. O motorista rebatia os resmungos à altura da dita senhora, não por acaso sua senhora.
Os resmungos cresceram quando acabou a gasolina do carro, bem na saída da cidade. Não bastasse tamanha mancada, as ruas escureceram por completo.
Uma saraivada de insultos no banco da frente, entre o senhor e a senhora do destino, completaram o tango argentino, mais com cara de moda de viola caipira.
O motorista-cônjuge resolveu ser prático, para alívio dos ouvidos masculinos do veículo, meus e do motorista. Pegou o celular e acionou um amigo da cidade, que ofereceu resgate.
Uma hora de espera, e surgiu o salvador da pátria, com um galão de gasolina e um boletim dos acontecimentos recentes. Agradecemos e seguimos para Piracicaba.
Devidamente depositado na porta do meu lar, me dei conta do silêncio ao redor. É que estava livre dos resmungos femininos de horas atrás. Me senti um iluminado, apesar das ruas ainda às escuras.
O outro apagão aconteceu ontem, na cidade do rio louvado pelo Tião Carreiro.
Num crepúsculo onde o astro-rei ainda expelia raios fervilhantes, assobiei e veio um mototáxi. Vinte minutos de viagem, desci e entrei numa mostra de artes plásticas, uma série de quadros feitos com materiais inusitados.
Composições coisadas com Bombril, misturadas a ratinhos emissores de ruídos engraçados, convidavam o espectador a reflexões. O ser o e nada, a insignificância da condição humana, o lixo que geramos e o lixo que somos, coisas assim.
Reflexões dignas de nota, mas nada que não pudesse ser afogado na primeira rodada de cerveja, servida na própria mostra.
Feitos os elogios de praxe ao amigo artista, me bandeei para uma lan-house. Um lugar no centro da cidade, atrás do terminal de ônibus. Dezenas de computadores no térreo de um edifício.
Mal encostei o traseiro no assento, e o segundo apagão da minha biografia aconteceu.
O centro da cidade foi vítima de uma tempestade daquelas de se segurar nas paredes. E torcer para que as mesmas paredes não fossem levadas pela tempestade.
Numa situação semelhante, alguns ratos costumam abandonar o navio, o que de fato ocorreu. Mas uns poucos marinheiros não arredaram pé.
Foi o caso de uma mocinha curvilínea de olhar castanho-claro. Este rato, zeloso pelo bem-estar da única gata da embarcação, também ficou.
À medida que o tempo passava e a energia elétrica não voltava, os funcionários da lan-house tentavam se informar sobre o apagão.
Carros passavam de faróis acesos. Bombeiros limpavam as ruas com árvores derrubadas pelo vento. E uma senhora invadiu a lan-house para monologar sobre os filhos mais lindos do universo – os dela.
Enquanto pessoas iam e vinham, este escriba tratou de exercitar o que nem sempre as redes sociais conseguem: a arte do diálogo. Entre mim e a dona dos olhos castanhos. É claro.
E dá-lhe observações sobre pessoas passeando com seus cachorros-micróbios pelas ruas, pitacos a respeito de mulheres histéricas gesticulando para o porteiro do edifício vizinho, gracejos sobre coisas a se fazer nos sábados à noite.
As risadas discretas da garota ditavam o ritmo da minha tagarelice. Que teve um fim.
Como a energia que voltava devagar não era suficiente para reativar a lan-house, a gata e os ratos remanescentes tomaram seus rumos.
Apesar do esforço bem-intencionado, o contato imediato com o elemento curvilíneo não rendeu contatos mais demorados naquela noite. Quem nasce para San Juan nunca chega a Don Juan mesmo.
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