19 de set. de 2008

Café no bule

Esta saiu no Jornal de Piracicaba há alguns meses, no primeiro caderno

Eu bebo café, sim. E estou vivendo, de um jeito ou de outro, mesmo carregando uma gastrite, uma azia e outros etecéteras. Na escola, e fora dela, ouvia dizer que o outrora precioso líquido era nosso maior produto de exportação. Isso no tempo do Brasil rural, no tempo em que certos seres humanos eram burros de carga, certos burros tornavam-se humanos em sua ânsia de parecerem inteligentes e os animais falavam. Alguns falam até hoje.

Muita gente ficou rica com o café. Os tais Barões do Café. E o Brasil se orgulhando de ter algo que valesse a pena mostrar ao mundo. E o mundo pouco se lixando com a gente. Mas o mundo não tinha nosso divino e poderoso café. Muito depois, vieram a Aquarela do Brasil, Carmem Miranda, Pelé e Garrincha, a Bossa Nova, Maria Esther Bueno, JK, FHC, Gustavo Kuerten, Tom Zé, Lula e outros produtos de exportação dignos de nota. Uma nota preta, diga-se de passagem.

Cheiro de café, nos meus verdíssimos anos, era qualquer coisa de insuportável. Além de qualquer coisa, uma coisa insuportável. Quando minha mãe chamava a criançada para o café com leite das manhãs, com direito a repeteco vespertino, eu engolia aquilo. O café e o fato de ter que tomá-lo. Para piorar o vexame, crianças novinhas e ligeiramente desajeitadas, como este que vos digita naquele instante, carregavam na testa o rótulo nada honroso de “café com leite”.

A vida e o café não me pouparam de outros vexames. Sabem aquele ritual do cafezinho da tarde? A tal paradinha no meio do expediente, para tomar café e bater papo com os colegas de serviço? Pois é. Nenhum trabalhador de empresa escapou do referido ritual. Nesse momento pagão, alguns iam lá fora para fumar. E outros colegas se afastavam, graças a Deus. Ter que aturar certos colegas também na hora do café seria um castigo inominável, embora os palavrões ficassem piscando na cabeça, feito luminoso de loja na rua Governador.

A hora do meu primeiro cafezinho em grupo tomou ares de evento inesquecível. Na ânsia de parecer natural, a gente fica mais artificial que suco de uva em pó, daqueles de envelopinho que a molecada adora. Como que anunciando o desastre, andei até a garrafa, deixada não na cozinha, mas no próprio local de trabalho. Peguei o copinho de plástico, apertei a tampa da garrafa com força, o líquido fumegante jorrou. No copo? Não, na mesa. A cachoeira em pleno ambiente de serviço impressionou a todos. Como não se tratava exatamente das Cataratas de Foz do Iguaçú, tomei uma vaia, e não um inocente cafezinho. Todo o café da tarde foi para o espaço. Ou melhor, para a mesa.

Por conta do desastre involuntário, passei anos sem tomar café. Até que veio a segunda vez. Desta vez, o café caiu nos lugares certos: na xícara e no estômago. Ultimamente, porém, meu estômago tem se revoltado contra o hábito de tomar café, e com outras coisas enfiadas goela abaixo. Mas aí já são coisas do Brasil, um país aniquilador de estômagos alheios. Nessas condições, nossa bebida ideal seria um belo chá de sumiço.

4 comentários:

Ju disse...

Bom, como cafólatra assumida, adorei o texto. poxa, vc escreve muito bem. Tem uma graça leve, uma coisa meio Luis Fernando Veríssimo, meio Jabour, com uma pontinha meio melancólica. Parabéns! Vou acompanhar sempre. Já adicionei seu blog nos meus links favoritos.
Abração

Marcelo Marat disse...

Eu não sonho, porque quem sonha está dormindo, e eu quero estar bem acordado; mas se eu tivesse um sonho, seria o de pelo menos uma vez na vida tomar um café verdadeiro, e não a água suja que somos obrigados a beber, por conta da nossa política de importações-exportações... E mesmo assim não passo sem um café...

Isa disse...

Também sou viciada em café. Na empresa, tem aquela máquina com várias opções, e repito, pelo menos, umas 3 vezes. Nem que seja pra acordar, se esticar ou fazer as ideias aparecerem da cafeína. Hehehe!

Mas o chato mesmo é ter que socializar por causa de café. Aí, não.

Beijos!

Anônimo disse...

Oi Érico, parabéns pelo blog! Também já sinto a gastrite chegando, mas acho que tomar café é algo que é tão parte dos nossos costumes, que fica quase impossível parar... Beijo!