Meu pai ouve Tião Carreiro e abre o maior sorriso, numa expressão além das fronteiras de seu bigode.
Um bigodudo cantador reconhece o talento de seu par. Mas só Tião Carreiro conseguiu ser Tião Carreiro.
A meu pai, restou o prazer de ouvir e imitar um artista legítimo, o que não é pouca coisa.
A música dita "caipira" oscilou nas minhas preferências auditivas. De discos infantis narrados por Silvio Santos, passando pelo rock de Raul Seixas e Rita Lee e as trilhas de novelas da TV Globo, cheguei ao pop oitentista do século vinte.
Já senhor dos meus ouvidos, aos dezoito anos, me encantei com Tom Jobim e sua lírica mezzo-Villa-Lobos, mezzo-Debussy. Por longos anos, tapei os ouvidos para qualquer outra música, num radicalismo que só os aborrecentes são capazes.
Numa certa madrugada, onde o silêncio da casa denunciava minha insônia, catei um disco de capa roxa-kitsch, contendo fotos de dois cantores. O primeiro ostentava um bigode tão fino quanto uma sobrancelha feminina. O segundo fazia cara de paisagem, olhando para aquele infinito conhecido apenas pelos incomodados com fotógrafos.
Tirei o disco da capa roxa e o coloquei para tocar num aparelho pré-histórico chamado "vitrola". Na segunda música, um acordeon e duas violas eram a deixa para uma canção entoada em vozes poderosas. A dor-de-cotovelo de uma amante frustrado, mas desejando felicidades à antiga paixão, era o mote da canção.
No que me diz respeito, meus ouvidos levaram a melodia ao coração, quebrando o silêncio da madrugada. E a velha dupla de Tião com Pardinho, impressa nos sulcos do vinil e na capa do disco, selou a reconciliação com meu DNA caipira.
PS. A caricatura de Tião Carreiro desta postagem, assim como o texto, são de autoria do dono deste blog, que trocaria toda a sua produção de humor gráfico pela autoria de Amargurado, a canção emocionante daquela madrugada longínqua.
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