Antes dos blogs e das conexões de internet a jato, trabalhei num portal de internet na minha cidade.
Por incrível que pareça, fui cronista do portal. Era um trabalho voluntário, porque na última fase do trabalho os investidores mandaram tudo para o inferno. E mandaram a equipe inteira para o mesmo lugar. Eu incluído.
Antes de levar um pé na bunda, publiquei alguns meses na seção Conversa na Praça. Fazia crônicas, contos, charges e outras viagens na maionese. A fábula caipira a seguir, de 2001, saiu nessa seção. Divirtam-se, se puderem.
O caipira respirou o ar puro, pensou em como Deus era bom por lhe dar saúde para dar e vender: a ele, à mulher, aos filhos. Olhou o sol nascendo por trás da montanha, saiu de casa, abriu o portão e alargou o passo em direção ao rio.
O sol, até então calminho e espreguiçante, tratou de cumprir a missão a que fora encarregado por Deus, iluminar a Terra com todo o fervor. O caipira percebeu a quentura e recuou três pernadas. "Esqueci o chapéu em casa, sô!"
Chapéu na cabeça, o caipira voltou à descida para o rio. Pena a violinha estar em casa, senão pegava a malvada, tocava o "Rio de Lágrimas"... , música que a memória do capiau trouxe naquele instante solarento, ensolarado, suarento.
"Vida marvada!", suspirou o nosso personagem, sem o saber um descendente direto de Jeca Tatu, Mazzaropi, Cornélio Pires.
O caipira tirou o fumo do bolso, parou debaixo duma pitangueira, catou o facão, picou o fumo, enrolou, lambeu, fumou. Para enganar a fome, pegou umas pitangas e comeu, enquanto chegava ao rio.
Andou mais um tantinho, desceu um barranco meio barrento e chegou ao filete de água. Uma nascente, na verdade, que o jeca respeitosamente chamava de rio, pois garantia sua água limpinha de todo santo dia. Sentou-se numa pedra, terminou o cigarro de palha, tirou a roupa, tomou banho.
Assobiando algo que julgava ser "Rio de Lágrimas", o caipira se ensaboou. Até que algo surgiu no barranco. Uma cabeça de animal observava o ensaboado. E o caipira nem aí. E a cabeça lá.
O animal, dono da cabeça misteriosa, resolveu não ficar ali, feito bobo-espantalho. Desceu o barranco, escorregando, pois o lugar tava um barro só, e assim chegou ao filete dágua. O caipira, praguejando, se afastou. O quadrúpede entrou no filete e começou a fazer estrepolias com a água, feliz da vida.
Longe, o caipira amaldiçoava céus e terras, animais racionais e irracionais. Estava estragado seu paraíso aquático. Adiantou nadinha acordar cedo para o banho. O jeca dera com o burro n'água, ou melhor... com os burros n'água.
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