Moro em Piracicaba, a terra do rio cantado por Tião Carreiro.
Tendo nascido na cidade, e conhecendo o que rola na margem direita e na margem esquerda do tal rio, tenho uma relação discutível com a terrinha. Principalmente quando quero discutir a relação.
Nas vezes em que estou em paz com a terra-mãe, vou atrás das minhas raízes, mesmo que para isso eu ande quilômetros de distância. Como bom caipira, gosto de inventar moda. Se eu fosse músico, seria moda de viola. Como sou cartunista, fico nas piadas de caipira. Às vezes sou a vítima das piadas.
Há quatro anos, reatei uma amizade com sotaque dos anos 90. Liguei para o amigo, morador da capital paulista, e lá fui eu bater um papo com ele. Entre papos, cervejas e sanduíches, ele me contou que ouvia a rádio Cultura ao nascer do sol, todo santo dia. E no raiar da programação da rádio, havia um espaço para os causos de Cornélio Pires, humorista e folclorista de Tietê (a cidade, não o rio).
No cafezinho após o banquete, o amigo me confessou a vontade de traduzir a obra de Cornélio Pires, legítimo desbravador da cultura caipira do começo do século vinte, para os quadrinhos. E coloquei mais lenha na fogueira, sugerindo que fizéssemos o trabalho em parceria.
Animado com a perspectiva do trampo em conjunto, voltei a Piracicaba. Um mês ou dois depois, a animação aumentou.
Uma palestra sobre Cornélio Pires abriria a semana dedicada a ele, realizada todo ano em Tietê. Só que, numa exceção honrosa, a palestra seria em Piracicaba, no Sesc local.
Chegando ao auditório, encontrei o secretário de cultura de Tietê, Pedro Macerani, acompanhado do historiador Benedito Pedro Silvestrim, mais conhecido como Fuzilo, uma autoridade em Cornélio.
O secretário exibiu dois filmes realizados pelo pioneiro da gravação de músicas caipiras. Dois curta-metragens da década de 20: um mudo, outro sonoro.
O segundo filme trazia a primeira gravação, em áúdio e imagem, da dupla Mandi e Sorocabinha, realizada antes mesmo da primeira gravação de disco caipira, também feita por Cornélio Pires. O primeiro videoclipe sertanejo!
O historiador trouxe uma palestra toda planejada e escrita com esmero de detalhes. Ao chegar no Sesc, ficou sabendo que não iria falar sozinho, tendo sua fala reduzida às suas intervenções num debate após a exibição dos filmes.
Mas o "seu" Fuzilo deixou a maior surpresa para o final da noite. Ele saíra do hospital direito para a palestra, pois sofrera um ataque do coração há pouco tempo.
Mais um tempinho, e o meu coração também sofreu certo abalo. Mas de alegria, quando pisei em Tietê, a terra de Cornélio, onde há um museu dedicado à vida e obra do caipira pioneiro.
Sem eira nem beira, desci na rodoviária da cidade e perguntei pelo tal museu. Tietê estava às moscas, ou nem isso, as moscas pareciam estar de folga. E tinham razão, pois era feriado municipal...
Como o leitor da capital deve saber, espaços culturais em cidades do interior costumam fechar em feriados. Se até o leitor sabe, daria sorte: eu não sabia.
E fui ao centro de Tietê, a quatro ou cinco passos da rodoviária, procurar mais sobre a cidade e o museu de Cornélio Pires.
Numa banca de revistas, ao saberem do meu projeto de quadrinhos sobre o símbolo da cidade, me deram o telefone do "Seu" Fuzilo, o simpático historiador citado linhas atrás. Acabei não indo, para não perturbar o descanso do recém-enfartado em pleno feriado.
Antes tivesse ido. Pouco depois da minha visita a Tietê, "Seu" Fuzilo descansaria para todo o sempre.
Mas teve um "porém", que isso sempre tem. O dono da banca, um dentista, me levou à sua casa a minutos dali, e me presenteou com vários livros de Cornélio Pires. Isso porque ele nunca tinha me visto na vida.
Voltei a Piracicaba sem visitar o museu em Tietê e sem ter voltado a ver o velho Fuzilo. O desejo de revisitar o velho Pires em quadrinhos, junto ao meu compadre em São Paulo, permanece.
Um dia desses a gente volta a tomar um café e retoma esse desejo. E o realiza.
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