Curto Ivan desde criancinha. Desde o tempo em que "curtir" não era verbo de rede social. Ouvi primeiro a fase dos hits infalíveis das novelas da TV Globo. Um sucesso de 1985, Vitoriosa, saiu naquele disco de capa de fundo vermelho. Ivan de blaser e mãos nos bolsos, pose jovial e óculos redondos, cara amigável e sorriso terno sem gravata.
Este que vos digita arregalava os olhos para o erotismo da letra de Vitor Martins. Em 85, tesão não era algo declarável abertamente em letra de canção popular. Mesmo sendo um tesão elegante.
Naqueles anos de Nova República - com morte de presidente antes da posse e vice assumindo o pais de barba, cabelo e bigode - Ivan Lins adaptava-se ao pop-rock predominante no mercado de discos. Os hoje lendários elepês, os vinis. A banda do pianista tinha teclados, guitarra, baixo e bateria.
A voz estridente, o entusiasmo, a intensidade e as caretas nos palcos renderam ao artista uma fama injusta de exagerado. Pensar que Ivan, nos três primeiros elepês da carreira, se esforçava pra cantar ao estilo Motown, rasgando a voz. E nessa época, que eu saiba, o "exagero" interpretativo era moda.
Já adulto, descobri o primeiríssimo disco de Ivan. Nem imaginava que ele tinha investido num som suingado, bem antes da fase pop-80: precisamente em 1970. E nunca pensaria em achar o elepê "Agora" perto de um poste, junto a outros vinis, largados por um vizinho antimusical. Foi assim, de um jeito meio empoeirado, que tomei contato com a obra inicial do carioca.
O disco "Agora" tem o sucesso que faria a cabeça de Elis Regina e Sarah Vaughan: Madalena, parceria de Ivan com Ronaldo Monteiro. O amor é meu país, também com Ronaldo, revelaria o "cantautor" para o Brasil, num festival da canção da Globo. E a pérola que me faria eleger o elepê como favorito é Corpo-folha ("qual seu corpo solto por aí..."), outra canção com o parceiro da época.
Aos poucos, entre visitas e espirros em sebos de vinis, comprei aqueles elepês com capas duplas de Mello Menezes, o ilustrador da "fase política" de Ivan, fase em que o barbudo quatro-olhos juntou-se a Vitor Martins, barbudo bom de caneta. Alguns anos adiante, eles se juntariam para criar uma nova gravadora, a Velas. Nesse momento de fim dos anos 70, porém, eles ficariam na música. Ou melhor, nas músicas: A noite, Desesperar jamais, Ituverava, Qualquer dia, Um novo tempo...
Desse tempo, haveria um episódio marcante envolvendo o carioca e minha cidade, Piracicaba. Em 1978, na inauguração do principal teatro da terra da pamonha, houve um espetáculo de Ivan. Na música Somos todos iguais nesta noite, ele chamou ao palco os operários, construtores do lugar. Quando me contaram o episódio, as lágrimas correram. O rosto do chorão aqui parecia o Rio de Lágrimas do Tião Carreiro.
O compositor voltaria aos meus ouvidos com os CDs da trilogia "Vivanoel". Com típico entusiasmo, descrito nos encartes pelo jornalista João Máximo, Ivan gravaria Noel Rosa, sambista-mor desse Brasilzão de Deus. Assim, de prima, lembro de Onde está a honestidade e Seja breve como as gravações mais engraçadas dos discos. E de Meu sofrer e Para atender a pedido, como as mais pungentes.
A partir de sua "descoberta" por Quincy Jones, produtor de Michael Jackson, Lins começou uma caminhada rumo ao sucesso globalizado, ocupando espaços outrora exclusivos de Tom Jobim. A sofisticação do cancioneiro do autor de Abre-alas rendeu a este a condição de novo clássico da new bossa.
Mesmo com esse trânsito pelo mundo, ele continuaria a gravar CDs dedicados ao gosto brasileiro. O disco natalino "Um novo tempo" não é obra descartável ou irrelevante, sina que parece perseguir os discos natalinos. Papai Noel de camiseta, de Celso Viáfora, abriria caminho para a parceria de Ivan com o paulista, que culminaria no CD "A cor do por do sol", de 2000. Na minha modesta condição de tiete, confesso adoração absoluta por essa obra.
Uma amostra recente do Ivan bossanovista está em "Íntimo", de 2010. "Intimate" é o nome original do trabalho, feito para ouvidos internacionais. Mas o artista resolveu presentear os fãs brasileiros, lançando o CD aqui, via Som Livre. A voz sussurante do sessentão junta-se às vozes e instrumentos de Jane Monheit, Laura Fygi, Alejandro Sanz, Jorge Drexler, entre outros artistas "made in world". O repertório traz canções recentes (Dandara, dele com Francisco Bosco; Sou eu, dele com Chico Buarque), misturadas às novas parcerias com Vitor Martins (Arrependimento e Tanto amor).
Meu último contato com Ivan Lins se deu além da audição constante das suas canções. Há sete anos, resolvi fazer uma caricatura do cidadão. Munido do pior lápis que um desenhista poderia empunhar, fiz o melhor desenho que pude fazer. Há meses, tirei o desenho dos meus arquivos. E fiz o que jamais imaginaria nos meus tempos de timidez: mandei uma cópia do "meu" Ivan ao Ivan real. Este respondeu com a maior realeza possível, a gentileza dos mestres. E agradeceu em seu Facebook oficial.
Além da caricatura, deixo ao Ivan esse artigo, como um abraço e um agradecimento por tantas canções, tanto acalanto, tanta vida, tanto piano.
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